Instituto Papai assina:
Assinam essa nota:
Nesse
sábado (29/08), ocorreu no cinema da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), durante
o debate sobre o filme “Que horas ela volta?” de Anna Muylaert, mais um retrato
da sociedade patriarcal em que vivemos: um espetáculo de machismo, homofobia e
gordofobia. Os cineastas Lírio Ferreira e Cláudio Assis tentaram impedir a fala
da cineasta e do público aos gritos, listando os “defeitos” da atriz principal
do filme, Regina Casé, chamando-a de gorda e ao maquiador de “bichona”. Devido
ao incidente, a Fundaj lançou uma nota de desculpas e uma medida que suspende a
presença de ambos e suas obras nos espaços da Fundação pelo período de um ano.
Algumas pessoas se posicionaram contrariamente à postura da instituição e, por
isso, nós, coletivos feministas da cidade do Recife, vimos a público tentar
desmistificar alguns argumentos e nos posicionar nesse debate:
1. “A decisão da Fundaj foi punitivista e anti-democrática”. Vivemos um
momento político, a nível nacional, que exige uma recapitulação acerca do
sentido das palavras “democracia” e “liberdade”. Primeiro, não há como se falar
em democracia sem se falar em igualdade entre xs sujeitxs que a compõem. Esta
igualdade pressupõe o respeito mútuo e, portanto (e sobretudo), o respeito ao
diferente. Uma atitude opressora, machista e gordofóbica é, na verdade, o que
existe de mais anti-democrático - e não a ação de uma instituição pública (como
é o caso da Fundaj) que visa reprimir atos vexatórios e discriminatórios, os
quais, por seu turno, vão, sim, de encontro aos princípios do próprio Estado
Democrático de Direito, tal como se reivindica na nossa República Federativa
Brasileira. Segundo, a liberdade de opressão não é o mesmo que liberdade de
expressão. Defender a liberdade de expressão não significa defender o direito à
oprimir outras pessoas. Desejar a liberdade é desejar a liberdade de todxs. O
que vemos no debate em questão é uma confusão conceitual. Comparar a censura ao
machismo às censuras do período ditatorial é um desrespeito histórico.
Relativizar a censura dessa forma é relativizar os motivos históricos pelos
quais diferentes atores foram censurados. Temos total convicção de que o
machismo, lgbtfobia e gordofobia devem ser punidos e vetados. Especialmente
porque estes atos não aparecem como rompantes isolados ou atos sem reverberação
na sociedade. São, ao mesmo tempo, reflexo de uma sociedade patriarcal e
perpetuam essa mesma sociedade. Sociedade patriarcal esta a qual estamos
lutando para DERRUBAR! É preciso escurecer um fato: não se trata de negar o
direito à divergência, se trata de vetar um discurso de ódio amplamente
disseminado na nossa sociedade, motor impulsionador de espancamentos e
assassinatos diários de mulheres Brasil afora.
2. “O cinema é uma arte coletiva, de forma que o veto aos filmes destes
diretores estende a punição a toda a equipe que participou do processo”.
Ora, sejamos francxs. O cinema é uma arte coletiva, mas é também extremamente
hierarquizada. Todxs nós sabemos que a pessoa que responde pelo filme é x
diretorx, sendo as outras pessoas responsabilizadas pelas suas áreas
específicas, mas não pela obra como um todo. Consideramos de extrema
importância o debate acerca da horizontalidade e do amplo reconhecimento de
diferentes atorxs envolvidos nos processos criativos do cinema, principalmente
porque consideramos que essa questão é importante em todos os campos da nossa
organização social. Apoiamos, desta forma, a parcela da categoria que está
empenhada em desconstruir esta hierarquia em suas práticas profissionais - o
que, entretanto, é radicalmente diferente da negação ingênua da existência da
centralidade de mérito e responsabilidade no campo cinematográfico hoje. Se a
equipe será prejudicada, a culpa é de exclusividade dos diretores. Igual
ingenuidade é a que tenta separar as obras de seus diretores como se suas obras
não fossem, sobretudo, o palco desses sujeitos. A Fundaj não está restringindo
o direito destes diretores de produzir filmes, tampouco está impedindo o
público de ter acesso a estes filmes. A instituição está apenas demonstrando coerência
com os seus princípios – não fazendo mais do que sua obrigação enquanto órgão
estatal com fins educacionais que é -, negando visibilidade (e são os seus
filmes o que dão a maior visibilidade para os indivíduos em questão) a
indivíduos que comungam com uma visão de mundo opressora, a qual a instituição
deve estar comprometida em combater.
3. Os indivíduos envolvidos estavam alcoolizados e, por isso, perderam o
controle. É com pesar que percebemos ainda ser necessário desconstruir um
argumento como este. A culpabilização do álcool é uma estratégia antiga, muito
usada em casos de violência contra a mulher. Não é, de forma alguma,
justificativa adequada para sair vociferando injúrias (e, na maioria dos casos,
violência física) contra as mulheres. Deverão, sim, ser responsabilizados
sempre que representarem ameaça pública.
O caso
de violência mostrou algo além do machismo, revelou a força enorme de todas as
mulheres que, após o acontecido, não nos calamos. O assunto veio à tona como
não viria em outras épocas e, como já não é mais possível negar que houve
machismo, buscam-se outras formas de deslegitimar a responsabilização feita.
Com todo esse arsenal de defensorxs, estamos a correr o risco destes indivíduos
pensarem que estão com a razão. Não podemos recuar. Estamos fartas desses shows
de machismo revestidos de suposta irreverência. O machismo não é irreverente! O
machismo é a reprodução de tudo de mais conservador que existe. É importante
não deixar esse fato ser esquecido, assim como não esqueceremos que o cineasta
dinamarquês Lars Von Trier foi considerado persona
non grata no festival de Cannes após uma declaração nazista. A decisão da
Fundaj é sobretudo uma decisão política, e é dessa forma que precisamos
entender o fato.
A sanção
provisória da Fundaj, ao nosso ver, ainda é muito pouco. É necessário
problematizar e desconstruir o machismo impregnado no cenário audiovisual
pernambucano. Não esqueçamos da recente polêmica que a Mostra Cinema de Mulher,
realizada no final de março de 2015 no Cinema da Fundação, suscitou no meio.
Pensada exclusivamente por realizadoras mulheres, a Mostra foi ridicularizada
por várias pessoas da cena cultural de Pernambuco. A Fundaj, ente público
voltado à educação e à cultura, tem o compromisso social de realizar um evento
que promova a discussão do machismo no audiovisual, com ampla participação das
mulheres. Especialmente porque os dois recentes casos de machismo com
repercussão pública no meio se deram em atividades promovidas pela entidade.
Propomos que esse evento conte com uma mostra de filmes realizados por
mulheres, com representação expressiva de cineastas negras, lésbicas e
transexuais, além de um espaço para discussão sobre o machismo e a
representatividade das mulheres no audiovisual, especialmente no cinema pernambucano.
Xs
envolvidxs na polêmica lançaram diversas notas, colocando suas posições diante
do ocorrido. É ótimo que o evento tenha suscitado reflexões e consideramos
legítimo que todxs façam suas ponderações, sobretudo Anna Muylaert, que foi
alvo principal das agressões em questão, a qual tem todo nosso apoio em suas
decisões. Gostaríamos de pontuar, entretanto, que as desculpas não devem estar
voltadas apenas à diretora ou ao público presente, mas sim a todas as mulheres.
A explosão de comentários se deve principalmente porque nós, mulheres que
partilhamos cotidianamente espaços no meio audiovisual do Recife, estamos
esgotadas destas demonstrações de machismo. O que é preciso ter em mente é que
estas ações estão diretamente conectadas ao feminicídio e a toda forma de
violência que vivenciamos hoje no Brasil. Não se trata de um machismo apartado,
de “níveis” diferentes de machismo. O que existe é uma cultura machista que se
retroalimenta. Isso não pode ser tolerado. Em oposição à afirmação de Cláudio
Assis em sua página de Facebook, não vemos na postura daquelas que se sentiram
agredidas pelos diretores manifestação de conservadorismo ou caretice. Careta e
ultrapassado é quem se mantém inerte e usa dos argumentos mais rasos para
manter seu status quo. Careta é o machismo entranhado no cinema pernambucano.
Estamos tratando de enterrá-lo de uma vez por todas.
Não esqueceremos dos
opressores! MACHISTAS NÃO PASSARÃO!
Assinam essa nota:
Cabelaço PE
Coletivo Feminista Diadorim
Coletivo LGBT Toda Forma
Coletivo Feminista Diadorim
Coletivo LGBT Toda Forma
Coletivo Mulher Vida
DACINE
DAPSI
Flores Crew
Flores do Brasil
Fórum de Mulheres de PE
DACINE
DAPSI
Flores Crew
Flores do Brasil
Fórum de Mulheres de PE
Movimento Zoada
Ou vai ou Racha
Ou vai ou Racha
SOS Corpo Instituto Feminista para
Democracia
Instituto Papai
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